19.6.11

é tempo


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'é tempo, eles sabem.
Tempo da pedra esforçar-se e florar,
tempo do desassossego ter um pulso.
É tempo, que seja tempo.
É tempo.'
|Paul Celan|


Ontem à tarde eu chorei. De frente pro mar. Chorei porque o processo pelo qual me tornei mulher é espantoso e diria também doloroso. Porque era uma criança perdida carregada por uma fé de mulher, não mais aquela fé cega de criança. Chorei porque ver a verdade dói diferente. Carregava uma flor de mal me quer e pensava quantos mal me quer existe em uma flor? Até quando vou ter que espichar pra descobrir o que existe do lado de lá? E será que existe? Chorei porque por quarenta minutos, não conseguia mais acreditar e adoro acreditar. Chorei porque perdi minha parte sensível em alguma praia deserta que ainda não foi descoberta e fica lá sozinha esperando encontrá-la de novo. 'Chorei porque daqui em diante chorarei menos. Chorei porque perdi minha dor e ainda não estou acostumada à ausência dela.'

Há mais perigos dentro do que fora de mim, é sempre esse mistério, o dentro de cada um. E suponho que assim sempre será. Sempre inacabada, pra sempre ter essa outra parte que me chama. Me sacode e me faz erguer a vida num chute ou então costurá-la àqueles pedaços rasgados. Dando ponto aqui pra fechá-lo mais adiante. Vou sempre descalça, pisando com leveza, olhando com cuidado.

Permiti o choro para poder fluir, não que soubesse que isso realmente aconteceria. Mas para sentir que alguém me ouviria. As coisas são como estão e não há choro que mude isso. Aliás, desconheço qualquer forma rápida de cura. É preciso consciência das coisas, viver é trabalhoso e muitas vezes me atrapalho toda. É um choro que dura alguns minutos, eu me rendo a ele. É aprendizado, lembrança. Nuvens sempre passam, momentos chuvosos também. É pensamento divino.

Na verdade era só um acordar da alma. Não acredito em botões mágicos nem em choros revitalizantes. Eu acredito em fé, em vontade de mudar, de crescer, de fazer de novo ou de fazer-se novo.
 
|vanessa leonardi|

*em itálico,Anaïs Nin, Henry e June - Diários não-expurgados (1931-32); trad. Rosane Pinto
imagem: Liniers

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7 comentários:

  1. Tantas vezes já chorei assim,

    Perfeito teu texto,

    Um desabafo!

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  2. Me vi tanto nesse texto.
    Que a Mão de Deus sempre esteja entrelaçada com a nossa.
    Bjos!

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  3. "Há mais perigos dentro do que fora de mim..." Por vezes Vanessa, somos nossos maiores algozes. Crescer, dói. Pra gente acertar, precisamos errar. Pra andar de bicicleta, caimos várias vezes. Qdo eu passei a olhar minha dor com outros olhos, qdo deixei de me vitimizar. Superei mais rápido. Tudo passa. Ótima semana pra vc. Beijão

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  4. Faz alguns dias que estou assim, a gente se percebe humano, pensando que poderia ser muito mais.

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  5. Maravilhoso texto, estou exatamente nessa fase! ;)

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  6. Van,

    Eu sei que o choro não cura as feridas, mas leva a alma de um jeito, que parece que abre as comportas, e sai jogando tudo fora.
    Eu, sempre quando to com algum problema, passando por algum momento delicado (e quem não passa nessa vida?), eu choro.
    Eu me lavo toda! Eu jogo fora todas as impurezas, porque sei que lá na frente vão vir é as belezas.
    Tudo passa, é o ciclo.

    Belo texto Van!

    Incrivel como passar aqui, é uma forma de levar a minha alma.

    Um beijooo

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